CAPÍTULO 2: O interrogatório a Diane (Ann Rule, Pequenos Sacrifícios, 1987) - 016

O detetive Tracy e o detetive Welch iniciaram o interrogatório à testemunha com perguntas simples: Qual o seu nome completo?

Diane deu o seu nome completo: Elizabeth Diane Frederickson Downs. Nasceu a 7 de Agosto de 1955 e ia fazer 28 anos em dois meses. Mudou-se para a zona de Eugene-Springfield, em Oregon, apenas há sete ou oito semanas. Toda a vida viveu no Arizona, trabalhando na entrega de cartas no serviço postal à dois. Divorciou-se do seu primeiro e único marido, Stephen Duane Downs, também de 28 anos, ainda em viver em Chandler, Mesa, no Arizona. Alegadamente o casal discutia bastante e Stephen batia-lhe. Os pais de Diane, XXX e XXX tinham-lhe implorado para que se mudasse para perto deles, o que fez, para lhes dar uma oportunidade de ficar mais perto dos netos. Uma vez que o pai era diretor dos serviços postais locais, este ajudou-a a pedir uma transferência e continuar no mesmo emprego. A filha Christie nasceu a 7 de Outubro de 1974. Era a que viajava no carro vermelho Nissan, no banco traseiro do lado direito. Stephen Daniel, o menino, nasceu a 29 de Dezembro do ano de 1979 e estava também no banco de trás, ao lado da irmã. Cheryl nascera a 10 de Janeiro de 1976. Era a que estava no chão do banco da frente, do lado do passageiro, coberta pela camisola dos correios. 

- O carro é seu? - pergunta Tracy.

- Sim. Comprei-o em Fevereiro. É um Nissan Pulsar NX vermelho com um traço prateado de lado

Imagem de um veículo idêntico ao do crime

À medida que os detetives iam obtendo respostas, começaram a enveredar por perguntas mais difíceis. Diane contou que tinham ido visitar uma amiga dela, Heather Plourd naquela tarde. Ela vivia a noroeste de Springfield na rua Sunderman. Diane sabia que a amiga queria um cavalo e como encontrara um artigo onde explicavam como adoptar um de graça decidiu levar-lhe o recorte a casa, visto que Heather não tinha telefone. Foi uma visita rápida, de 15 ou 20 minutos e seguiriam para casa. Decidiu fazer um passeio de carro para ver as vistas, mas como percebeu que os filhos tinham adormecido, decidiu regressar a Springfield. Sem motivo em particular, saiu da estrada principal - a de Marcola para seguir pela Velha Mohawk. Tinha acabado de entrar apenas à instantes, quando viu um um homem parado no meio da estrada, a acenar os braços para que parasse. Temendo um acidente, parou. 

- Consegue descrevê-lo? - pergunta Welch.

- "Era branco... vinte e poucos... por volta de um metro e setenta e cinco, pesava talvez uns 70, 80 quilos. Tinha cabelo escuro, semi ondulado, com um corte meio desgrenhado e a barba por fazer. Talvez de um ou dois dias. Usava calças jeans Levi, um blusão também de ganga, uma t-shirt suja... talvez debotada, de cor clara"*.  

-"O homem estava mesmo no meio da estrada. Parei o carro. Saí e disse: "Qual é o problema?". Ele apressou-se até mim e disse: "Quero o teu carro". Eu respondi: "Deve estar a brincar!" Então ele empurrou-me em direção à traseira do carro". 

Aí, inexplicavelmente, ficou parado do lado do condutor e enfiou a mão pela janela. Diane escutou o som "pop, pop" e percebeu desesperada que o homem tinha disparado contra os filhos! Primeiro Christie, de sete anos, depois Danny, de três e, finalmente, Cheryl, de seis, que estava no lugar da frente, a dormir no chão do carro, no lado do passageiro, debaixo da camisola dos serviços postais de Diane.

- " E o que é que fez?" - Perguntou Welch, abalado com a imagem mental das três crianças encurraladas dentro do carro.

- "Fingi ter atirado as chaves do carro. Isso irritou-o. Quis que pensasse que tinha atirado as chaves para o arvoredo. O homem estava a um ou dois metros de distância. Virou-se na minha direção e disparou duas vezes, atingindo-me uma. Eu empurrei-o ou dei-lhe um pontapé, ou talvez os dois - na perna. Entrei no carro e corri para o hospital o mais rápido que pude".

- "Viu a arma?"

- "Não. Espere... sim."

-" Consegue descrevê-la?"

- "É difícil"

-"Tem alguma arma?"

- "Uma espingarda de calibre 22. Está guardada numa prateleira do armário, em casa. Pode ir lá buscá-la, se quiser".

- "Para o podermos fazer, tem de assinar para nós um formulário de consentimento para buscas". - disse Tracy.

-" OK. Eu assino".

Diane foi bastante colaborante. Se assinasse o formulário de forma voluntária, não seria necessário um mandato de busca. Tracy entregou-lhe o papel de consentimento. Diane olhou para ele, depois leu tudo em voz alta. Quando chegou ao parágrafo que dizia "Entendo que tudo o que for encontrado pode vir a ser usado contra mim em tribunal" fez uma pausa, olhou para os detetives, e então perguntou:

-"Isto não é para quem é suspeito?"

O detetive Tracy acenou com a cabeça que sim.

Diane não tinha objeções à polícia vasculhar o seu carro ou o duplex nº 1352 na rua Q, de Springfield, onde morava com os filhos. Qualquer coisa que pudesse ajudar a encontrar o homem armado o mais rápido possível. E assinou o formulário.

A casa onde morava com as crianças, após mudar de cidade apenas à meses.

Os detetives tinham a impressão que havia algo no discurso de Diane que parecia forçado. Algo que parecia esconder um medo que eles não entendiam. 

A alta improbabilidade de encontrar um estranho numa estrada remota fez com que os investigadores se questionassem se o criminoso era seu conhecido e deixou Diane conduzir até o hospital para procurar ajuda para as crianças na condição de não dizer nada à polícia. Certezas não tinham. Nem sequer sabiam se o crime ocorrera em Springfield, mesmo com Diane tendo apontado um lugar ao longo da margem do rio. O próximo passo era ir investigar a sua residência. Até porque, na possibilidade de ser alguém conhecido, o criminoso podia estar a aguardar a vítima na casa desta, armado, querendo terminar o que começou. 

Dick Tracy abandonou as emergências para se juntar a Jon Peckels, enquanto apontava uma forte luz para o interior do carro vermelho para tirar fotografias. Algo no chão do veículo brilhava com os flashes. Invólucros de balas. Não lhes tocaram. O carro foi selado e rebocado para Lane County para ser processado pelo laboratório de polícia criminal do estado de Oregon. 

De regresso às emergências, Tracy avistou os pais de Diane. O pai parecia sombrio e o rosto da mãe estava inchado de tanto chorar. Dirigindo-se a Wes, fez mais perguntas, acabando por saber que Diane possuía de facto uma espingarda e também, um revólver - lhe parecia. "Ela tem essas armas para se proteger do ex-marido, que lhe batia" - acrescenta o pai. 

Tracy dirige-se a Diane e pergunta-lhe se tem mais alguma arma. Ela então lembra-se de um revólver 38, denominada "Sábado à noite especial", por ser uma arma para defesa pessoal, pequena mas também muito instável. Diane mantêm-na trancada no porta-bagagens, para a segurança das crianças. 

O interrogatório alongou-se por mais de duas horas. Eram quase 3 da manhã. Os olhos de Diane estavam a ganhar uma cor escura, indicação de cansaço. Ainda assim, a voz permanecia-lhe forte e as palavras continuavam a lhe sair rapidamente, atropelando-se umas nas outras.  Mas estava na hora de terminar. Os dois detetives deixaram Diane aos cuidados médicos ainda necessários e dirigiram-se para o seu apartamento na rua Q. 

No hospital, o cirurgião ortopedista Terrance Carter, foi encarregado de cuidar do braço de Diane. O seu braço esquerdo estava partido, mas não existiam danos nos nervos ou tendões. Ela conseguia, felizmente, mexer cada um dos seus dedos e até pode conduzir - a pesar da dor que devia sentir. Dali a uma semana ia precisar de cirurgia ou algo para fortalecer-lhe o braço. O cirurgião arrancou pela raiz o tecido morto à volta das três feridas para assegurar-se que tudo ficava bem. Mediu a pressão arterial de Diane e o pulso. Tudo normal. 
O cirurgião achou a postura de Diane pouco ou nada emocional. As palavras eram forte, vividas e rápidas mas o olhar era, de alguma forma, sem vida. Sem emotividade. Terrance disse-lhe que era melhor que ficasse no hospital por uns dois dias, para ser tratada. Diane não quis, recusava-se a ficar no hospital e fez o cirurgião prometer-lhe uma coisa: que não ia contar a seu pai que ela tem uma tatuagem no ombro esquerdo. A tatuagem, de uma rosa vermelha, tinha por debaixo um nome: LEW. 


*Nota pessoal: Existe uma teoria de que uma pessoa que descreve outra inventada, que não existe, sempre escolhe as características físicas idênticas às de alguém próximo de si. Esta descrição corresponde ao marido de Diane. Coincidência?

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