Pequenos Sacrifícios: Ann Rule, 1987, Crimes Reais - 006
CAPÍTULO 1 (cont. part. 06)
O Dr. Miller injectou rapidamente 30 miligramas de bicarbonato de sódio para forçar o coração a bater e levantou a cabeça no momento certo para ver Steve Wilhite a entrar apressadamente na sala.
O cirurgião torácico olhou para a paciente. "Parecia morta". Wilhite recriminou-se por ter chegado tarde demais.
Não tinha pressão arterial, não havia pulso. As pupilas estavam fixas e dilatadas.
Mas Wilhite e Miller recusaram-se a desistir. Steve Wilhite agarrou um tubo e enfiou-o diretamente no pulmão esquerdo, atravessando-lhe a pele e peito. Não havia necessidade de anestesia - a criança não sentia nada. Conseguiu extrair 300 cc de sangue vermelho. Com perícia, enfiou outro tubo no pulmão direito. Não surgiu nenhum sangue no tubo e havia muito pouco, se algum, ar. O pulmão esquerdo havia colapsado sobre ele mesmo, como um balão vazio. O direito, afogava-se no próprio sangue.
Wilhite introduziu rapidamente uma linha CVP (Pressão Venosa Central) e atingiu uma artéria na primeira tentativa. Foi o primeiro sinal de boas notícias: as artérias e veias da paciente não tinham colapsado. Sangue O negativo foi rapidamente introduzido.
E então... miraculosamente, o bater de coração, esvoaçante como o bater de asas de uma borboleta, voltou a soar. Algures na passagem para uma morte certa, esta criança regressou para a vida.
Miller, Wilhite e Mackey começaram a ter esperança de que a criança pudesse reagir e voltar à vida pois notaram que as suas pupilas já reagiam e que tinha uma pressão arterial sistólica de 60! Novos testes de raio-x mostraram que o pulmão esquerdo já expandia, mas o direito continuava a encher-se de sangue. As suas hipóteses de sobreviver continuavam fracas. Tão rapidamente como o sangue era introduzido nas suas veias, desaparecia para dentro do pulmão.
Era já quase meia-noite, quando o organismo da menina ficou estável o suficiente para ser transferida para a sala cirúrgica. Mesmo assim, Bob Gulley ainda tinha de respirar por ela e soprar ar pelo tubo da traqueia, enquanto era transportada por maca em direcção à sala de operações com os doutores Wilhite e Miller a acompanhar.
Com o auxílio da enfermeira dos cuidados intensivos, Jan Temple, os médicos Mackey e Foster cuidavam do menino. Ela retirou-lhe as roupas - uma camisa verde de jogador de hóquei com o número 40 à frente, calças de ganga OshKosh-by-Gosh e as cuecas tamanho dois. Colocou tudo no cesto de roupa anexado à maca. O menino aparentava ter três anos. John Mackey iniciou o processo de ressuscitação desde o momento em que o transportou para o interior do hospital. Espetou uma linha CVP na veia jugular e inseriu uma solução para manter as veias abertas e prontas para medicação e transfusões.
O menino tinha uma pequena ferida de entrada de bala um centímetro afastada do lado direito da coluna vertebral. Mackey reparou na queimadura de pólvora deixada pelo cano da arma à volta do buraco. Foi um tiro a queima-roupa. O menino estava sem cor e aterrorizado. O seu coração batia a 150 batidas por minuto. Não conseguia respirar bem uma única vez. Eram percetíveis pequenos e curtos sons de respirar no seu pulmão esquerdo. Inseriu um tubo: sangue e algum ar encurralado começaram a sair. O pequeno pulmão expandiu e o menino começou a respirar. Porém, continuava a soluçar, num constante lamento agudo.
O rapaz estava fora de perigo imediato mas lesões na centro nervoso central são imprevisíveis. A bala encontrava-se alojada nas costas, perto da vértebra T-6 e T-7. Se tudo viesse a correr bem, o menino podia recuperar totalmente. Se a medula espinal inchar, os braços ficariam bem mas tudo abaixo do peito estava em risco. Existia a possibilidade de nunca mais voltar a andar.
Steve Wilhite realizou uma toracotomia na menina sobrevivente. Encontrou o ferimento causado pela saída da bala na parte superior do lobo do pulmão esquerdo. Cortou o dano - parecia um trapo de filamentos desfeitos - e cozeu as extremidades agora bem visíveis. Não havia mais infiltração de sangue mas a maioria deste precisou ser substituído. Quando tal acontece, a capacidade de coagulação pode ficar significantemente comprometida, assim como diminui a hemoglobina. Em desequilíbrio, o sangue pode ter um comportamento errático e imprevisível.
Quando a cirurgia terminou, a menina tinha a pressão arterial normal. Acordou rapidamente, tentando se livrar do tubo endotraqueal e de toda a proliferação de ligações ao seu corpo. Estava muito assustada mas reagia à voz das enfermeiras.
Uma criança estava morta. A outra desafiou as probabilidades de sobreviver a uma significativa perda de sangue, paragem cardíaca e cirurgia. A outra criança parecia estável, mas corria o risco de paralisia.
QUEM, em nome de Deus, podia ter apontado uma pistola na direção de três crianças pequenas e disparar cinco vezes??
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