Pequenos Sacrifícios: Ann Rule, 1987, Crimes Reais - 002
Excertos traduzidos da obra.
CAPÍTULO 1 (cont.)
Shelby Day é uma mulher magra, de fala suave, perto dos quarenta, com seis anos de experiência nas emergências do McKenzie-Willamette. Ela usa calças brancas e uma bata com padrões em pastel. Quando lembra aquela noite de 19 de Maio de 1983, surgem espontaneamente lágrimas aos olhos.
"Estávamos a trabalhar no turno das quatro da tarde até à meia-noite. Tivemos o dia habitual de "bons" ferimentos - lacerações, galos na cabeça, entorses e ossos partidos. Estávamos ocupados, mas não haviam realmente grandes emergências. O Dr. Mackey estava a terminar de atender um paciente às dez e quinze. A Rosa e eu estávamos naquela pequena sala de trás a tratar de papelada. Existe sempre muita papelada para atualizar. A Judite estava na sua secretária no corredor"...
Judite Patterson, uma loura sorridente, tem dois empregos para sustentar o seu filho Brandon, que tinha nove anos em 1983. No turno de dia, ela é recepcionista no Hospital Pediátrico Sagrado Coração de Sto Eugénio. Depois das cinco da tarde, faz mais cinco ou seis horas como recepcionista na ala de emergência do McKenzie-Willamette.
Rosa Martin estava grávida na primavera de 1983, já no segundo trimestre. A sua barriga tinha começado a atrapalhar enquanto se movia suavemente para lidar com os pacientes. Sentia-se cansada, mas não se queixava com os colegas. Ela e Shelby trabalhavam sossegadas na sala das traseiras.
Quando o Dr. John Austin Mackey usava barba cheia, as suas enfermeiras se interrogavam se ele alguma vez sorria. Quando a cortou, viram que ele havia andado a sorrir o tempo todo, por detrás daquela fachada hirsuta.
Alto, a ficar careca e de ombros largos, um homem do tamanho de um urso, Mackey inspira confiança. O médico de emergências perfeito. Hábil a avaliar as necessidades dos pacientes. No fim dos seus 30 anos, casado, pai de crianças, trabalhava à oito anos, a tempo inteiro, na ala de emergências.
Por tudo ter acalmado, disseram à Judite que podia ir para casa mais cedo. Seja como for, o seu turno terminaria às dez e meia. Ela sorriu grata, agarrou a sua camisola, a mala e começou a caminhar até à porta das ambulâncias. Uma mulher no corredor, uma familiar a aguardar um paciente, chamou-a.
"Está alguém lá fora a buzinar e a gritar por ajuda. É melhor ir ver".
Judite girou de volta na direcção de Shelby Day e Rosa Martin, que estavam a tratar da papelada.
"Alguém lá fora precisa de ajuda. Estão a buzinar".
Judite voltou para a entrada das ambulâncias. Prontamente, abriu as duas portas que davam acesso à entrada. Rosa Martin pegou um ventilador e uma máscara de oxigênio e dirigiu-se em direcção à entrada. A causa mais comum de crises eram paragens cardíacas. Era isso que Shelby Day esperava encontrar. Contudo, era estranho que não tivessem sido alertadas antecipadamente. Inadvertidamente, os paramédicos ou a polícia sempre ligam a avisar da sua chegada com um caso crítico, para que a equipa possa preparar atempadamente os equipamentos.
As duas enfermeiras apressaram-se a atravessar as portas duplas. Um automóvel vermelho brilhante, estrangeiro, estava estacionado debaixo do teto de protecção de chuva. As luzes fluorescentes ricochetavam do brilhante vermelho do veículo, lançando estranhas e longas sombras. Era quase impossível ver o interior, através dos vidros do carro.
"O que se passa?" - pergunta Rosa.
"Alguém disparou nos meus filhos!"
Uma loura delgada, em jeans e uma camisa simples estava de pé ao lado do carro. Estava pálida, mas controlada. Não estava a chorar e não pareceu histérica. Implorou desesperadamente para que fizessem alguma coisa. As duas enfermeiras e a jovem mulher cruzaram olhares por uma fracção de segundo, e a equipa de emergências entrou em acção.
Rosa chegou ao carro um pouco antes de Shelby. Enfiou a cabeça através da janela do lado do passageiro. Viu uma criança deitada atravessada no assento direito das traseiras. Emergiu carregando uma menina com longo cabelo castanho. A criança era pesada. "Peso morto" - pensou Shelby, mordendo o lábio. Rosa carregou a menina pequena vestida com calções de bombazine castanhas e uma t-shirt multicolorida, agora cheia de sangue, como se a menina não pesasse nada. Aconchegou-a cuidadosamente contra o seu abdomen de grávida.
Ao passar pela secretária e Judite, no corredor, Rosa virou ligeiramente a cabeça ordenando: "Judite! Solta o código! É mau.".
O "código" significava código 4. Visa chamar todo o pessoal médico disponível no hospital para a ala das emergências. Judite ligou à operadora do hospital e disse-lhe para activar o código.
À entrada, Shelby reparou que havia outra criança no banco de trás, atrás do assento do condutor. Um menino de cabelo louro, pouco mais que um bebé. Correu para a frente do carro e inclinou-se para pressionar a alavanca e soltar o banco da frente. Os dedos estavam dormentes com o choque. Não conseguia encontrar a alavanca certa. Escutou atrás dela, a voz do Dr. Mackey.
"Que se passa, Shelby?".
"Estas crianças foram alvejadas" - disse calmamente.
"Oh, Jesus Cristo." - murmurou o doutor.
Não foi uma exclamação. Foi uma prece. Apenas duas palavras tinham registado na mente do dr. Mackey: "crianças" e "alvejadas". Sobre o ombro de Shelby, Mackey pode ver uma pequena criança a ofegar por ar e a chorar muito fracamente.
A seguir a partir de agora
ResponderEliminarTem interesse mas tenho que gerir bem o tempo que ando por aqui.
ResponderEliminarAbraço