CAPÍTULO 2: Comunicação de morte (Ann Rule, Pequenos Sacrifícios, 1987) - 015

 Dick Tracy esperava encontrar uma mãe muito abalada e histérica. Ao invés disso, percebeu uma mulher muito racional, considerando as circunstâncias. Tracy já tinha visto todo o tipo de reações a perdas e desastres. Não conhecia a mulher nem o seu pai, que parecia tão estoico quanto a filha. Não ia presumir como reagiriam quando toda aquela "dormência" do choque começasse a esvanecer. Com ansia de chegar rapidamente ao hospital, pisou mais intensamente no pedal do acelerador do veículo. 

Faltavam dois minutos para a meia-noite quando Diane Downs e o pai voltaram a entrar pelas portas do McKenzie-Willamette e são conduzidos para a sala de raio-x. Após o scanner ao braço, o Dr. Mackey aproximou-se protetivamente de Diane, para lhe confidenciar, respeitosamente e zeloso, que a criança mais nova, Cheryl Lynn, havia falecido. Na verdade, já tinha chegado ao hospital morta. A expressão no rosto de Diane era impossível de ler. Pareceu ter ali um brilhozito de emoção mas depressa permaneceu estoica. 

O doutor acrescentou que a outra filha, Christie, estava em estado crítico e a ser operada naquele instante.

"Obrigado por me contar" - diz Diane. 

O Dr. Miller aproxima-se para relatar o estado da terceira criança: Danny. Diz que estão otimistas e descreve o percurso que a bala tomou no corpo do menino.

"Quer dizer que a bala falhou o seu coração?" - pergunta Diane.

- "Sim".

Diane, Welch e Tracy entram numa pequena sala da ala de trauma do hospital para dar início a averiguações sobre o acontecido. Pareceu a Welch que a postura de Diane era impávida, a mente estava frágil. Ria-se nos momentos menos apropriados, o raciocínio não parecia estar a registar. Falava muito rapidamente, com uma voz em tom de menina adolescente, as frases não tinham um final discernível e eles mal conseguiam anotar rápido o suficiente as suas palavras. Era como uma compulsão. Diarreia verbal. Se parasse de falar, talvez se recordasse do sucedido...  Welch achou que ela simplesmente não ia aceitar que a filha tinha falecido. Diane estava confusa a respeito de qual das filhas tinha morrido. 

Foi o pai de Diane, Wes, que fez o reconhecimento do corpo. Shelby Day lembra-se de como ele permaneceu de pé, impassível, no centro da sala de trauma, a olhar para o corpo da sua neta, acenando ligeiramente com a cabeça ao mesmo tempo que identificava: "Sim, é a Cheryl". 

Welch observava Diane. As suas pupilas não estavam dilatadas, não cheirava a álcool, falava muito, as palavras jorravam-lhe da boca quase a se atropelar, mas estava coerente e sóbria.  

- Tem uma capacidade extraordinária de reter lembranças - diz a certo momento o detetive Dick Tracy. - A Diane deve ser bem inteligente - acrescenta. 

- Existem oito níveis de inteligência - diz Diane. "Estou no nível sete" - acrescenta. 

Os detetives nunca tinham ouvido falar na teoria dos oito níveis de coeficiente de Inteligência. Mas Diane Downs era sem dúvida muito inteligente. O vocabulário que usava, sintaxe e a sua habilidade em responder às questões assim lhes dava a entender. Contudo, parecia comportar-se como um robot programado. Usava as palavras como um manto para se proteger, pronunciando-as cada vez mais rápido. Tão rápido, que estava a causar-lhes tonturas.  


O sargento Jerry Smith e o detetive Robert Antoine, da força policial de Springfield, entraram no hospital pouco depois da uma da manhã. Estavam ali para executar testes de perícia. Diane estendeu as mãos para que Antoine lhe passasse um cotonete embebido em 5% de ácido nítrico - usado para detectar a presença de vestígios de metais, tal como pó de pólvora, material que assenta nas mãos de quem dispara uma arma. Os parentes devem ser sempre os primeiros suspeitos a ser testados e, se comprovado pelas evidências, eliminados. 

Os testes às mãos de Diane vieram negativos para a presença de bário e antimónio. Antoine borrifou as mãos agora com outro produto, para testar a presença de outros metais. Se tivesse tido contacto com ferro, as mãos ficariam vermelhas. Se fosse cobre, as mãos ganhariam um tom esverdeado. 

Resultado negativo.

Embora seja da praxe e um auxílio crucial, os detectives sabem que uma reação positiva para a presença de RDP - Resíduos de Pólvora não é assim tão preciso. Especialmente com armas de calibre 22, que têm um resíduo de antímónio muito reduzido. Fumar cigarros, ir urinar ou esfregar uma folha de papel higiénico, pode deixar semelhantes vestígios nas mãos. E para os eliminar, basta passar as mãos por água. 


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